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Arte & manhas | Só quem morreu na fogueira sabe...

Por: Luís Bogo
13/03/2023 09:54
Ilustração representativa do primeiro tipógrafo concebido por Gutenberg, no século XV Ilustração representativa do primeiro tipógrafo concebido por Gutenberg, no século XV

Eu sei de tanta coisa que você não sabe e você sabe de tantas coisas que eu não sei. Por isso é que as palavras são tão importantes. São capazes de aproximar o desconhecido, o virtual e o hipotético ao nosso vulgar e sedimentado conhecimento. É a troca de saberes, através da palavra, que move o mundo.

Não teríamos evoluído se continuássemos a nos comunicar através dos tambores que anunciavam tempestades, presença de animais perigosos ou aproximação de tribo inimiga. Foi a partir da palavra que as civilizações se construíram.

Palavras são compostas por letras, mas as letras são pouco significantes se não estiverem acompanhadas por outras que lhes deem significado. De uma forma geral, apenas as vogais – seguidas por um H ou reticências – são capazes de exprimir um sentimento ou a possibilidade de uma resposta futura.

Vamos aos exemplos: ah, quem me dera... Neste caso, o a deixa de ser um artigo e exprime algo que sai de dentro do peito para revelar alguma expectativa. O e, sozinho, serve como conectivo, podendo unir ideias ou simplesmente deixar no ar alguma indagação: e daí? e eu com isso? O i (seguido de h, letra sem som), sugere que alguma coisa planejada não deu certo, não trouxe o resultado previsto: Ih, desculpe, não entendi direito. O o, assim como o a pode expressar espanto ou substituir o verbo olhar, na linguagem coloquial: Ó isso aí! Ou veja isto! E, por fim, temos o u, que seguido de muitos hhhhs, sai da garganta diante da possibilidade de gol desperdiçada, quando o corpo já ameaçava levantar-se do sofá ou da arquibancada. As vogais, sem qualquer acompanhamento expressam suspiros de dor e de amor, exprimem lamentos, dúvidas ou sustos.

Porém, sozinhas, jamais seriam capazes de traduzir tudo o que vai por nossas cabeças, pois a expressão do pensamento depende de outras letrinhas que entram em consonância com o primário A, E, I, O, U. Ao todo, 23 ou 26 letras do alfabeto romano se combinam em milhões de palavras, somados todos os idiomas praticados no mundo ocidental.

Fiz todo este preâmbulo para justificar um pouco este delicioso e doloroso ofício de escrever. É delicioso porque, mesmo que se parta de uma inspiração original, à medida que as letras vão se sobrepondo ao papel ou à tela, a primeira ideia vai se transformando para ganhar vida própria, passando a conduzir o pensamento e resultando em um texto que pode ter um sentido completamente distinto daquele imaginado na primeira linha ou no primeiro verso. Consoantes e vogais vão assim se misturando, tornando pronunciável aquilo que há um instante era apenas uma nebulosa navegando entre os neurônios.

E, da mesma forma que existe este prazer de inventar, através das palavras, fantasias e realidades não planejadas, brincar com as vogais e consoantes, tentar escrevê-las de forma harmoniosa e inteligível, na maioria das vezes nos traz a frustração de perceber que determinada mensagem poderia ter sido melhor elaborada. Como dizia meu velho e sábio amigo Massao Ohno, “depois de impresso, o erro grita em letras de forma”.

Mas, saber ler e escrever é fator fundamental para a construção da própria personalidade e da cidadania. Habituar-se com a crítica faz parte de um exercício de aprimoramento, mesmo que às vezes o julgamento venha carregado com doses de gratuita crueldade.

Porém, precisamos insistir nesta prática de juntar vogais e consoantes para tentar entender todos os outros signos e símbolos que nos rodeiam, sem medo das opiniões contrárias ou diversas. Como diz Rita Lee na canção Joana D’Arc, “só quem morreu na fogueira sabe o que é ser carvão”. E quem se arrisca a escrever, não pode ter medo de se queimar.


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